Published On:quarta-feira, 21 de setembro de 2011
Posted by Carlos Roberto
Wanderson Geremias. o WG do Cesarão da entrevista a Central Única das Favelas
Basquete de rua é coisa séria
CUFA entrevista Wanderson Geremias
CUFA entrevista Wanderson Geremias
Wanderson Geremias, mais conhecido como WG de Rua, começou sua carreira aos 15 anos, como uma brincadeira. Hoje é campeão da 4ª edição da Liga Brasileira de Basquete de Rua. Dedica parte do seu tempo a fazer segurança, e é instrutor de basquete, além de peça fundamental nos projetos que a CUFA desenvolve.
Nesta entrevista, ele mostra sem retoques como foi a sua vida e as dificuldades encontradas em sua trajetória de esportista.
Nesta entrevista, ele mostra sem retoques como foi a sua vida e as dificuldades encontradas em sua trajetória de esportista.
CUFA: Como você começou levar a sério essa história de jogar basquete?
WG: Comecei levar a sério quando vim morar em Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro. Eu era muito rebelde e depois que meus pais morreram achei que podia fazer tudo. Era um moleque sem rumo, atrasado nos estudos e com a vida marcada a dar tudo errado. Mas Deus me fez dar a volta por cima em um caminho que só Ele mesmo podia abrir. Vi um anúncio de jornal que selecionava alunos para ganhar bolsa de estudos e praticar esporte em um colégio. Eu fui até lá andando. Era o colégio Delta. Então eu digo que ganhar esta bolsa foi a minha 1º vitória. Fiz de tudo, atletismo, vôlei, handebol, mas onde mais me destaquei foi no basquete. Quando consegui a bolsa para estudar lá eu passei a me dedicar muito mais ao esporte, treinava três vezes por semana no colégio.
CUFA: Você teve o apoio de alguém nesse início de carreira?
WG: Nesta mesma época eu conheci o Paulo Adão, um amigo que gostava do esporte e dedicou o seu tempo a me ensinar o basquete. Hoje, ele já é falecido, mas naquela época, ele me treinava quase todos os dias para eu conseguir ganhar a bolsa no colégio. Além de ser meu primeiro técnico em tempo integral, acabou se tornando meu pai e meu amigo.
CUFA: Como eram esses treinamentos? Existia alguma infra-estrutura?
WG: Treinava com o Paulo numa quadra perto de sua casa, mas não era o suficiente. Eu precisava de mais. Mas como conseguir isto aqui em Santa Cruz, ainda mais no conjunto Cesarão com poucos recursos de diversão e cultura?
CUFA: Qual foi a solução que você encontrou?
WG: Eu tinha que treinar numa quadra improvisada porque onde eu morava não havia tabela e nem quadra oficial. Sempre improvisávamos quadra e tabela na rua para podermos praticar todos os dias.
CUFA: Depois do colégio, como ficou sua carreira de jogador de basquete?
WG: Depois do período que fiquei no colégio Delta, participei de vários torneios e ganhei vários títulos. Tentei me federar aos clubes do Rio de Janeiro, sem muito sucesso. Porém eu consegui no Botafogo, mas o Botafogo fica em Caio Martins. Do Centro da cidade até o Caio Martins são uns 40 minutos. Ir do Cesarão para o Centro leva duas horas. Imagine quanto de passagem eu gastava por dia? Então como é que eu iria todos os dias até lá treinar, gastando dinheiro de passagem, lanche etc.? Depois de um tempo meu avô falou que não podia mais me ajudar.
CUFA: Esse foi o seu primeiro obstáculo?
WG: Eu já tinha passado por muitas dificuldades na minha vida. Minha família é humilde e não tinha condições de bancar tudo que é necessário ao jovem. Então eu tinha que fazer por mim. Comecei a trabalhar numa rede de fast food perto de casa e nunca deixei de praticar o basquete, ou melhor, o basquete de rua.
CUFA: Como foi que você descobriu o basquete de rua?
WG: O basquete de rua surgiu na minha vida como uma necessidade de praticar o basquete convencional, mas em lugares alternativos e com regras nossas, sem responsabilidade de ter que fazer tudo como manda o figurino. Na época de 93/94 era só basquete e pronto! Jogávamos sem compromisso, o que importava era voltar para casa cheio de história para contar.
CUFA: Como foi que você entrou para o nosso time?
WG: Eu sempre gostei de Hip Hop e curtia tudo que rolava sobre este movimento. Onde tinha show, batalha, dança, eu estava lá. A CUFA surgiu da minha vontade de curti o rapper MV Bill. Vi o seu show e adorei. Passei a acompanhar todos os shows. Em 2001, eu e meu irmão Cristiano, mais conhecido como Cris Preto, fomos para mais uma edição do Hutúz. Ao sair de casa meu irmão colocou a bola na mochila. Eu ainda falei para ele: “Pô, cara, vai levar a bola pra quê?” Eu conhecia meu irmão, sabia que iria ficar rodando a bola para se mostrar para as meninas no show. Acabamos chegando lá cedo, estava vazio e os portões foram abertos e entramos! Eu, meu irmão e uma galera do Cesarão que curtia Hip Hop e jogava basquete armamos um racha entre nós mesmos para passarmos o tempo enquanto o show não começava.
CUFA: Qual foi a reação do público que já estava no local?
WG: Foi juntando gente. Eu que pensava que não iria jogar, duas horas depois, já estava sem camisa, e o basquete comendo solto. Já não era mais brincadeira. As pessoas que chegavam para o show não iam direto para o palco principal. A única regra era fazer cesta na pessoa que ficava com os braços no formato de círculos para a bola passar, mas doía e cansava. Poucos queriam ficar nesta posição, foi aí que adotamos uma cesta de lixo. Os seguranças, vendo a algazarra que estava se formando, de tempos em tempos vinham acabar com a brincadeira. Quando viram que não podiam com a massa e não estávamos atrapalhando – porque só quando um ou outro se exaltava ou fazia uma cesta bonita é que a galera gritava e fazia uma barulhada que conseguia atrapalhar o som –, deixaram a gente continuar sem interrupções. Eles perceberam um grande potencial neste jogo que concentra grandes massas.
CUFA: Qual foi o resultado dessa partida?
WG: No ano seguinte foi criado o Hutúz Basquete de Rua (HBR). Aí, fui convidado para levar uma equipe e representar a CUFA. Hoje sou instrutor de basquete de rua da CUFA, sou consultado em tudo que se refere ao basquete de rua e participo de vários projetos.
CUFA: Em quem você se espelhou, tem algum jogador que você admire?
WG: Todos falam de Michael Jordan, mas eu queria que a minha mão fosse igual a do Oscar Schimtd. Ele é o maior cestinha de Olimpíadas. E Hortência também, pela garra e determinação.
CUFA: No ano passado você foi campeão da 4º edição da Liga Brasileira de Basquete de Rua. Você consegue definir essa emoção? É um sonho realizado?
WG: Comparo a emoção de segurar este troféu com o nascimento da minha filha, coisa que não saberia transcrever. Precisava ter o troféu nacional em minhas mãos para coroar os moleques que começaram o basquete de rua e por algum motivo não estavam comigo lá. E saber que tudo que passei não foi em vão, de ter continuado, mesmo com tudo falando para desistir.
CUFA: Quais objetivos você ainda gostaria de alcançar?
WG: Penso em manter este título. Sei que vai ser muito difícil porque a equipe campeã do ano passado foi desfeita. Acho que não teremos mais o patrocínio. Quero ser capaz de criar um pólo de basquete de rua no Cesarão para ensinar tudo, não só do esporte mas também de cidadania, educação, lazer e respeito. Abrir os olhos dessas crianças aliciadas todos os dias. Mostrar um bom caminho a ser seguido mesmo que não seja um jogador de basquete de rua, mas que seja um grande cidadão. E cada vez mais passar para meus alunos o quanto é importante não desistir de seus planos e saber mudar o foco, mas sem perder o rumo. Respeitar a família e todos que rodeiam você, para que seja respeitado também.
Fonte: CUFA